quinta-feira, 19 de maio de 2011

Massacre de Realengo - A carta


Criminoso dá instruções para ser enterrado

"Primeiramente deverão saber que os impuros não poderão me tocar sem luvas, somente os castos ou os que perderam suas castidades após o casamento e não se envolveram em adultério poderão me tocar sem usar luvas, ou seja, nenhum fornicador ou adúltero poderá ter um contato direto comigo, nem nada que seja impuro poderá tocar em meu sangue, nenhum impuro pode ter contato direto com um virgem sem sua permissão, os que cuidarem de meu sepultamento deverão retirar toda a minha vestimenta, me banhar, me secar e me envolver totalmente despido em um lençol branco que está neste prédio, em uma bolsa que deixei na primeira sala do primeiro andar, após me envolverem neste lençol poderão me colocar em meu caixão. Se possível, quero ser sepultado ao lado da sepultura onde minha mãe dorme. Minha mãe se chama Dicéa Menezes de Oliveira e está sepultada no cemitério Murundu. Preciso de visita de um fiel seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que ele ore diante de minha sepultura pedindo o perdão de Deus pelo o que eu fiz rogando para que na sua vinda Jesus me desperte do sono da morte para a vida eterna.
Eu deixei uma casa em Sepetiba da qual nenhum familiar precisa, existem instituições pobres, financiadas por pessoas generosas que cuidam de animais abandonados, eu quero que esse espaço onde eu passei meus últimos meses seja doado a uma dessas instituições, pois os animais são seres muito desprezados e precisam muito mais de proteção e carinho do que os seres humanos que possuem a vantagem de poder se comunicar, trabalhar para se alimentarem, por isso, os que se apropriarem de minha casa, eu peço por favor que tenham bom senso e cumpram o meu pedido, por cumprindo o meu pedido, automaticamente estarão cumprindo a vontade dos pais que desejavam passar esse imóvel para meu nome e todos sabem disso, senão cumprirem meu pedido, automaticamente estarão desrespeitando a vontade dos pais, o que prova que vocês não tem nenhuma consideração pelos nossos pais que já dormem, eu acredito que todos vocês tenham alguma consideração pelos nossos pais, provem isso fazendo o que eu pedi."

Massacre de Realengo

  OUTROS 12 SÃO FERIDOS EM ATAQUE   SEM PRECEDENTE NO PAÍS, CASO REPERCUTE NO MUNDO   "VOCÊS VÃO MORRER AGORA", GRITAVA ATIRADOR, UM JOVEM TÍMIDO E INTROSPECTIVO DE 23 ANOS


Wania Corredo/Agência O Globo

Jovem desmaia na saída do hospital Albert Schweitzer, na zona oeste do Rio, após saber que a irmã Samira Pires Ribeiro, baleada por Wellington Menezes de Oliveira, havia morrido

DO RIO

A festa pelos 40 anos da escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na zona oeste do Rio, se transformou em tragédia na manhã de ontem, quando o ex-aluno Wellington Menezes de Oliveira, 23, matou dez meninas e dois meninos e feriu outros 12, num massacre sem precedentes na história brasileira.
Oliveira chegou à escola, que promovia um ciclo de palestras com ex-alunos, por volta das 8h30. Há uma semana estivera lá pedindo um histórico escolar. Ontem, disse ao porteiro que tinha voltado para buscar o documento.
Armado com dois revólveres calibres 38 e 32 e um cinto de munição com recarregadores que permitem repor as balas do tambor de uma vez, Oliveira se aproximou de uma sala e disse à professora que faria uma palestra. Entrou e começou a disparar.
"Ele matou minha amiga na minha frente. É uma cena que nunca vou esquecer", disse uma aluna de 12 anos.
Segundo policiais, muitos corpos estavam nas cadeiras ou caídos próximos a elas.
Crianças disseram que o atirador gritava: "Vocês vão morrer agora". Professores de outras salas montaram barricadas com carteiras e mesas a fim de impedir que ele entrasse -alguns acharam que a escola havia sido invadida por criminosos.
Vizinhos da escola também relataram momentos de terror. Disseram ter ouvido até 50 tiros. José dos Santos, 27, que mora em frente ao colégio, abrigou três crianças em sua casa. Uma delas levou um tiro de raspão no ombro.
"Falamos para ela que só estava sujo, não estava ferido, para ela não se assustar. Foi muito tiro", disse Santos.
Almir Silva, 56, outro vizinho da escola, afirmou que tentou socorrer seis crianças "que praticamente já estavam mortas". "Não dá para chorar porque a dor é muito forte. Nunca vi nada parecido, e espero nunca mais ver."
O massacre foi interrompido após duas estudantes escaparem e alertarem policiais que faziam uma blitz a duas quadras da escola. Um deles, o sargento Márcio Alves, atingiu Oliveira no abdômen quando ele subia para o segundo andar.
De acordo com as autoridades, depois de ser atingido pelo policial, Oliveira se suicidou com um tiro na boca.
No corpo do atirador, foi achada uma carta em que ele revelava a intenção de morrer na ação. "Se possível, quero ser sepultado ao lado da sepultura onde minha mãe dorme", escreveu. Também dizia no texto que seu corpo só poderia ser tocado pelos "castos ou os que perderam sua castidade após o casamento", e não por "impuros".
Em uma cerimônia em Brasília, a presidente Dilma Rousseff chorou ao se referir ao massacre no Rio. O caso, que repete um tipo de chacina frequente nos EUA e na Europa -no Brasil, não há precedentes-, foi notícia de destaque nos principais veículos de comunicação mundiais.
O governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes atribuíram o massacre à ação de um "psicopata" e exaltaram a atuação "heroica" do sargento Alves, que impediu um desastre maior.
"O que nós temos a fazer é dar a nossa solidariedade às famílias das jovens vítimas desse psicopata, desse animal", afirmou o governador.
(RODRIGO RÖTZSCH, DIANA BRITO, ITALO NOGUEIRA, ELVIRA LOBATO, SÉRGIO RANGEL, FERNANDO MAGALHÃES, LUIZA SOUTO, CIRILO JÚNIOR E JANAINA LAGE)


Segundo vizinhos e irmã, assassino era tímido e estranho

Wellington Oliveira não tinha amigos e era viciado em internet, afirmam; "Vivia no mundo dele", diz vizinha Polícia constatou que, antes de sair de casa, o rapaz quebrou todos os eletrodomésticos e pôs fogo no computador
ELVIRA LOBATO
DO RIO

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

"Ele estava sempre segurando firme nas alças da mochila, como se não soubesse onde pôr as mãos. Andava naquele passo "pisando em nuvens", para cima e para baixo, e nunca tirava os olhos do chão". Assim, Flavio dos Santos, 27, lembrava-se de Wellington Menezes de Oliveira, 23, o vizinho "esquisito, quietão e meio nerd".
O menino sempre foi quieto, quase invisível. No recreio da escola, ficava sentado, sozinho, no meio da algazarra.
Os colegas que com ele cursaram o ensino fundamental na Escola Municipal Tasso da Silveira, entre 1999 e 2002, têm dificuldades para falar sobre o menino Wellington. Quando se pergunta por um amigo, a resposta mais comum era: "Ele não tinha amigos". Namorada?
"Nunca pegou ninguém".

ÚNICO AMIGO
Um colega de escola, Diego Peterson, lembrou de um único relacionamento: "Era com um tal de Bruno, que era fanho. Sempre andavam juntos e, quando a gente os chamava de "retardados", sorriam aquele sorriso amarelo."
"Mas eram brincadeiras inocentes", diz o rapaz musculoso. Segundo o jovem, Wellington nem jogava futebol, apesar do campinho na frente da casa em que morava. "Só andava para cima e para baixo com a mãe, que ele amava", conta.
A mãe Dicéa Menezes de Oliveira era Testemunha de Jeová -a família frequentava o salão da igreja que ficava da mesma rua. Dicéa andava pelo bairro todo oferecendo as publicações do grupo religioso, e Wellington, filho adotivo caçula, ia com ela.

ADOÇÃO
Dicéa tinha cinco filhos biológicos quando Wellington chegou à casa 830 da rua Jequitinhonha. "Foi uma festa. Wellington tinha três dias de vida. A mãe verdadeira era uma sobrinha do primeiro marido de Dicéa, mas, como tinha problemas mentais, entregou o filho para a Dicéa criar. E ela criou como se fosse dela", diz a vizinha de parede.
O ensino médio, que fez no colégio Madre Tereza de Calcutá, também em Realengo, Wellington viveu ainda na sombra. Tirava boas notas, nunca foi expulso de classe, mas estava sempre calado. Sumia entre os 50 alunos.
Até a irmã Rosilane, com quem Wellington viveu até o ano passado, achava-o diferente. "Era muito estranho mesmo. Não era de sair. Vivia no computador e não tinha amigos", disse ela, ontem, à Rádio BandNews FM.
"Quando não estava trabalhando, ficava trancado no quarto, na frente do computador. A irmã tinha dificuldade para limpar o quarto dele. Havia dias em que ele nem comia", disse uma vizinha.

CABEÇA BAIXA
Desde outubro, depois que a mãe adotiva morreu de enfarte, o jovem vivia isolado em uma casa em Sepetiba, na zona oeste do Rio. Na segunda-feira passada, foi visto caminhando, em Realengo, pelas ruas próximas à Escola Municipal Tasso de Oliveira.
Segundo moradores, ele estava vestido de preto e caminhava de cabeça baixa. Wellington estava desempregado desde agosto de 2010. Ele trabalhou por dois anos no almoxarifado da indústria de alimentos Rica, de onde foi demitido por falta de produtividade, segundo a empresa. No trabalho, também não fez amigos.
A casa de Sepetiba -ao sair para o massacre, o rapaz quebrou todos os eletrodomésticos do local e pôs fogo no computador- fica bem em frente a uma escola pública estadual, um Ciep.
O diretor do colégio, Edmilson da Silva, afirmou que nunca temeu o comportamento do vizinho. "Parecia um rapaz tranquilo."

Massacre de Realengo - Fotos do assassino

Após atirar contra alunos da escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo (zona oeste do Rio), Wellington Menezes de Oliveira, 24, foi ferido em confronto com a PM e cometeu suicídio, segundo a polícia. Onze estudantes baleados por Oliveira também morreram.
O corpo do atirador, ex-aluno da escola, ficou em uma das escadas do prédio.

Wellington Menezes de Oliveira, 24, morre em escada da escola municipal no Rio.
O crime ocorreu por volta das 8h30, e a ação foi rápida. Segundo a polícia, durou cerca de cinco minutos.
Inicialmente, a polícia informou que Oliveira entrou na escola dizendo que daria uma palestra. No entanto, mais tarde, o governador Sérgio Cabral (PMDB) disse que ele havia solicitado um histórico escolar.
O rapaz conversou com algumas pessoas, mas, depois, seguiu em direção às salas de aulas e atirou contra os estudantes. Um garoto, ferido, conseguiu fugir e acionou a polícia.
As causas do crime serão investigadas. O atirador deixou uma carta antes de cometer o crime. Nela, fala em “perdão de Deus” e diz que quer ser enterrado ao lado da mãe.